O turfe paranaense é cheio de personagens e histórias maravilhosas. Desde fundadores, criadores, profissionais, proprietário e até gestores que marcaram época. Claro que os cavalos dentro da pista foram fundamentais para formar a centenária história do Jockey Club do Paraná, afinal, eles são os grandes protagonistas.

Entretanto, estas histórias – e as corridas de cavalo – só chegaram ao grande público graças a abnegados que, desde 1873, colaboram para que as informações sejam eternizadas na memória de quem os lê, ouve ou assiste. Antes, através de fotos e discos de vinil até os dias de hoje, com vídeos e matérias publicadas na internet.

E um jornalista paranaense, que antes de exercer a profissão já era turfista, conta estas histórias desde 1952. A maneira como ele conseguiu seu primeiro emprego como cronista no Jornal A Tarde, ainda bem jovem é interessante. Mas ele não ficará marcado por sua passagem na Crônica Turfística Paranaense, e sim, por – como grande jornalista que é – contar as histórias de outros profissionais e figuras que marcaram o turfe do Paraná.

Um dos maiores conhecedores do Jockey Club do Paraná e uma das “pedras fundamentais” da crônica turfística é a nossa personalidade de hoje. Com vocês, o jornalista, cronista, empresário e escritor Luiz Renato Ribas.

Sua história com o turfe começou na década de 40. Seu pai, Domingos Ribas Silva, representava o Haras Campo Real. Com o sucesso de alguns animais, ele se mudou para São Paulo, frequentando o Hipódromo de Cidade Jardim até o fim da década de 40.

Em São Paulo começou a admirar as transmissões de turfe pelo rádio. Naquela época o rádio era o principal meio de comunicação para o turfe. E apaixonado pelas narrações de Otávio Rocha Filho, seu primeiro grande ídolo, “brincava” de ser narrador ao assistir as corridas no prado.

Veio 1951 e com ele o retorno à Curitiba. Matriculado no Colégio Estadual do Paraná, Luiz Renato resolveu começar sua história como cronista de turfe. Em uma tarde foi ao Jornal A Tarde, de Protasio de Carvalho, pedir uma oportunidade de escrever sobre o turfe paranaense. Ao chegar lá, se apresentou como “cronista de turfe da Gazeta Esportiva de São Paulo”. Mesmo não sendo verdade, Luiz Renato ali conseguia o seu primeiro emprego – não remunerado – escrevendo sobre o Jockey Club do Paraná.

Revista do Turfe, lançada por Luiz Renato Ribas em 1953.

Depois de seus primeiros três meses de experiência, chegou a hora de crescer como cronista. Sem saber se existia uma revista de turfe, Luiz Renato e alguns amigos fizeram a “Revista do Turfe”, periódico que durou 12 edições. Como começaram a ver seu talento, vontade e principalmente amor pela crônica turfística, em 1954 Luiz Renato Ribas começou uma nova fase, a de narrador.

Transmitindo as corridas pela Rádio Marumby, sucedendo Rodolfo Carlos Bettega, Luiz Renato Ribas trouxe um estilo diferente para as narrações das carreiras. Ao contrário de outros nomes de outrora, ele seguia a linha do paulista Teófilo de Vasconcelos, narrando os páreos com mais velocidade que o habitual. O estilo fez muito sucesso no rádio, rendendo a venda dos primeiros discos com as narrações das provas.

“A minha narração era diferenciada do Rodolfo “Xaxixo” e do Apeles Ferrante, que eram mais lentas”, relembra Luiz Renato Ribas. “Eu era muito ousado na época, transmitia com velocidade e empolgava quem estivesse ouvindo as corridas em casa, pois não existia no Hipódromo ainda o rádio de pilha, que só foi aparecer por aqui na década de 60. E com isso eu começava a passar uma emoção inédita ao turfe paranaense.”

Luiz Renato Ribas trabalhou nas Rádios Marumby, Guairacá e Colombo.

Naquela época, a única fonte de renda dos cronistas vinham das vendas dos discos das narrações. Se hoje para ver um replay de páreo o turfista precisa apenas buscar o vídeo no YouTube, naquela época tudo era mais difícil. E não era só a rádio que Luiz Renato trabalhava que não pagava os radialistas. Segundo ele, todos os narradores passavam pela mesma situação, sendo esta venda sua única fonte de renda.

Depois do sucesso na Rádio Marumby, apareceu uma oportunidade na Rádio Guayracá, de Moyses Lupion. O sucesso continuou até que o jornalista Ubaldo Siqueira, diretor da rede de comunicação dos Diários Associados convidou Luiz Renato para escrever no Diário Paraná como fundador. Ali ele voltou a redigir sobre turfe.

“Um pouco antes deste convite eu já fazia umas anotações e apontamentos de páreos para a revista O Turfista Semanal, um folheto de quatro páginas criado por Fernando Paulino da Silva Wolff, que para mim foi um dos maiores memorialistas do turfe paranaense, além de cronista de muito bom senso e que ajudou bastante o turfe do Paraná”, relembra Luiz Renato. “Ele – Fernando – foi também proprietário e criador de cavalos de corrida, inclusive posteriormente eu me associei a ele em alguns animais.”

Outros grandes cronistas de outrora, com destaque para Francisco Castellano Neto, fundador da ACTP.

Escrevendo no Diário Paraná, Luiz Renato fazia muito sucesso. Com sua voz se tornando conhecida entre os turfistas e seu bordão “o cavalo vem deee passaaaagem” na boca do povo, surgiu ali a oportunidade de trabalhar na Rádio Colombo. Neste veículo ele chegou ao auge transmitindo corridas, uma vez que diferente das outras rádios, na Colombo não se transmitia futebol. Ela ficou conhecida como “a emissora do turfe”.

“A Rádio Colombo era um sucesso”, comenta Luiz Renato. “Era conhecida como a emissora do turfe. Ela não transmitia futebol, só turfe, ao contrário da Marumby, que em alguns momentos eu era interrompido no meio da corrida pelo Maurício Fruet, para anunciar o gol do Coritiba. E como no jornal –  cobrindo futebol – existia um cronista chamado Ribas de Carvalho, o meu apelido se tornou ‘Ribas do cavalo’.”

Aquela época foi áurea para a crônica turfística, segundo Luiz Renato. No jornal Diário Paraná eles tinham uma página inteira todos os dias para falar sobre os cavalos. Ali Ribas criou seus primeiros pseudônimos, o mais famoso deles foi “O Cavalo Branco de Napoleão”.

Luiz Renato chegou a montar uma prova de jóqueis amadores, em 1956.

“Nós tínhamos uma página inteira para fazer sobre o turfe. E era difícil preencher ela toda com qualidade. Então criei o ‘Cavalo Branco de Napoleão’. Eu ia nos trabalhos na manhã de segunda-feira e as quintas, quando os cavalos faziam os aprontos. Como trabalhava no órgão que hoje é a Receita Federal, fazia uma parte do jornal na hora do almoço, apresentava um programa na rádio às 6 da tarde e depois ia para a faculdade. Então para resistirmos a estes compromissos, só com muito amor pelo cavalo de corrida.”

Luiz Renato continuou narrando até 1962, quando focou apenas em ser proprietário de cavalos. Modesto, conta que hoje em dia ouvindo suas narrações daquela época, acredita que elas são incomparáveis com a qualidade de hoje em dia, uma vez os ouvintes não tinham o artifício da imagem, como acontece hoje nas transmissões de turfe.

“Honestamente, minhas narrações daquela época são fracas perto das de hoje, com este magníficos narradores. Era muito mais fácil transmitir pelo rádio. Pela transmissão você está vendo as imagens, então não dá para o narrador errar. Diga-se de passagem que o Gerson Borges de Macedo está soberbo nas narrações, inclusive ensinando novos nomes. Gerson narra muito bem, visto que o ângulo da cabine nunca foi favorável para nós. Ele tem sido muito preciso, assim como o narrador de Cidade Jardim, Roberto Casella. No Rio de Janeiro também tem narradores muito bons, frente as dificuldades de se transmitir.”

Luiz Renato Ribas também teve passagens pela televisão.

Luiz Renato conta que a emoção das publicações no Diário Paraná são inesquecíveis. Naquela época, os próprios jornalistas se encarregavam de passar à noite no jornal para acompanhar a prensagem dos periódicos. Diferente da tecnologia do jornal impresso de hoje, lá tudo era mais difícil, inclusive ele conta um episódio que culminou em um pedido de demissão.

“Eu passei uma noite no jornal e a minha manchete não estava mais na matéria. Perguntei o motivo para o responsável pela confecção do jornal e ele me respondeu: ‘O Doutor Ubaldo Siqueira, diretor comercial do jornal passou aqui e mandou retirá-la’. Eu nem busquei saber o motivo, no dia seguinte pedi demissão do jornal. Ele também não falou comigo, apesar de sermos grandes amigos, eu ser eleitor dele e o considerar um dos melhores presidentes que o Jockey teve. Depois de uns 7 meses eu fui recontratado e ele me contou o motivo. Eu estava em uma campanha contra os bookmakers e na matéria eu estava acusando um descendente de uma das maiores, mais ricas e mais tradicionais famílias do Paraná.”

Como proprietário, Luiz Renato também tem ótimas lembranças. Sua primeira aquisição foi em sociedade com Fernando Wolff, uma égua chamada Gavialinda, criada pelo Haras Paraná. E ela foi trocada por uma cobertura que se transformou em um cavalo de nome sugestivo: Ouvinte. Depois ele aumentou sua coudelaria, trazendo seu sogro e o cronista de futebol Silvio Ronald Leitão para a sociedade.

Lépido vencendo no Tarumã. Na foto Luiz Renato, sua esposa Regina, a filha Luciana e o neto Alexandre, ainda bebê de colo.

“Nosso primeiro treinador foi o Elídio Pierre Gusso, depois veio o Amadeu Piotto até que mudamos para o Rubens Gusso. Ali passaram vários cavalos, dois deles que nos marcaram. Um era o Lépido e o outro era o Valentão. O Lépido largava e assumia a ponta, muito rápido. Porém, parava na reta. O Valentão era igual, muito ligeiro ele corria na ponta, mas com problemas de glândulas, quando entrava à reta cansava. Um dia, escrevemos ele em 1.400 metros, a contragosto do Silvio. Ele largou e tirou grande distância na frente. Quando ele entrou na reta final, os outros animais estavam ainda entrando na curva. Ele veio e cruzou o disco com mais dois animais emparelhados. O jóquei chegou até a me chamar para a foto, mas o Valentão perdeu, chegando em terceiro.”

Outras histórias muito boas Luiz tem a respeito da crônica turfística. As gafes, da época da rádio e jornal, tanto dele quanto dos demais cronistas virou um livro, chamado “Esses Cronistas Super-Heróis e Suas Mancadas Maravilhosas”. Uma delas, com ele como protagonista da gafe.

“Tenho uma história muito boa com o Mário Marquez, pai do Zuca”, conta Luiz. “Eu transmitindo uma prova pela Rádio Marumby, com Sergio Luiz Piquetto (pai) ao meu lado. Entra a reta e eu narro a vitória do cavalo Castro. Me puxam pela calça e me dizem: ‘O Castro não corre neste páreo, corre no páreo seguinte’. Daí tentamos juntar os nossos trocados para jogar no cavalo. E o Castro, do Mário Marquez, grande starter e ótima pessoa, venceu o páreo seguinte.”

Luiz Renato fez questão de retratar a história da crônica turfística em um livro.

Luiz Renato Ribas também se orgulha de outros feitos. Pela Rádio Colombo, ele fez a primeira transmissão interestadual de turfe no Brasil. Conseguindo patrocínio, Luiz Renato foi transmitir o GP Protetora do Turfe em 1960, no Rio Grande do Sul. Tudo para poder relatar a possível vitória de um de seus animais favoritos, a égua Kaki, que segundo ele era a sua favorita ao lado de Riadhis.

“Em 1960 eu consegui patrocínio e a Rádio Colombo fez a primeira transmissão interestadual do Brasil”, conta Luiz Renato. “Fomos ao Rio Grande do Sul para transmitir o GP Protetora do Turfe. A Kaki fez uma bela corrida, mas não venceu. A patrocinadora, uma agência de turismo de Aníbal Carbeiro, instalou um sistema de auto-falantes na Rua XV de Novembro para os aficionados escutarem a corrida de Kaki. Eu não estava presente, pois estava no Hipódromo, então não sei quantas pessoas foram. Os relatos contam que diversas pessoas estiveram lá para ouvir.”

A Revista TV Programas foi um grande sucesso, chegando a ter 23 mil assinantes semanais.

Além de jornalista de turfe, Luiz Renato fez muito sucesso com a revista TV Programas. Ele conta que a ideia surgiu ao ver na década de 60 o surgimento da televisão. Os jornais da época só divulgavam a programação dos canais a qual seu grupo pertencia, então a ideia de uma revista que relatasse a programação de todos os canais foi colocada em prática em 22 de maio de 61.

A TV Programas atingiu um vasto público, chegando a ter 23 mil assinantes semanais. Ela contava com grandes empresas paranaenses patrocinando, como a Rede Hermes Macedo e a Prosdócimo. Sem nunca atrasar nenhuma edição, ela ganhou um livro assinado por Luiz Renato Ribas e Célio Heitor Guimarães, chamado “A Pequena Notável”.

A história da revista foi retratada no livro “A Pequena Notável”.

Além deste meio, Luiz ainda teve os outros investimentos de sucesso. Foi um dos precursores das videolocadoras no Brasil, ganhando prêmios nacionais e internacionais. Luiz Renato Ribas criou-a a princípio como um vídeo clube, até que decidiu – mesmo sofrendo grande prejuízo – ser um dos primeiros a trabalhar pelo fim da pirataria no Brasil. Quando de seu fechamento, a locadora era a mais antiga da América Latina em atividade.

A locadora da família Ribas (foto: Marcelo Andrade – Gazeta do Povo).

Luiz Renato também foi proprietário de uma agência de apostas credenciada, a Cavalus, primeira a trabalhar com o sistema via satélite. O empreendimento contava com 10 televisores e um telão de 80 polegadas, sempre bem frequentada por figuras importantes do turfe paranaense.

Depois de tanto contar histórias, Luiz Renato decidiu contar a sua própria, montando um livro pessoal que ele chama de “Obituário”. A ideia era de perpetuar por gerações a história dele e de sua família. E a partir dessa ideia, ele decidiu também contar a histórias de diversas figuras do estado, surgindo assim seu projeto atual, o Memórias Paraná.

O jornalista começou a colher diversos relatos de pessoas relevantes nas mais diversas áreas do Paraná, culminando nas edições impressas dos relatos de seus entrevistados. Os livros “Quem é Você” são lançados no Clube Curitibano, onde os entrevistados autografam as edições para seus familiares e amigos. Este projeto recebe apoio de diversos meios de comunicação, como o Jornal do Estado/Bem Paraná e o Grupo GPRCom, além da Academia Paranaense de Letras.

Memórias Paraná e o Livro “Quem é Você?”, projeto atual do jornalista.

“O Memórias Paraná surgiu em 2008, reunindo jornalistas e publicitários, com vídeos em formato de perguntas e respostas”, explica Luiz Renato. “Ele parou em 2011, ainda com o nome de Memória Paranaense e, quando voltou, tinha um novo objetivo: guardar estas memórias para as famílias dos entrevistados. Quando os jovens queriam saber a histórias de seus familiares, elas já não estavam mais presentes. E os entrevistados contam suas verdadeiras histórias. O Salomão Soiffer, por exemplo, começou sua vida profissional carregando malas na rodoviária aos 12 anos, pois queria comprar uma patinete e não tinha dinheiro. O Eraldo Palmerini, que nasceu na Itália, quando bebê de colo foi derrubado em meio a uma multidão e sua mãe não o encontrava, até que um transeunte o achou. Estas histórias são contadas com muita humildade pelos entrevistados, que geralmente se emocionam ao falar da família e relembrar o que passaram.”

Se fossemos contar a história profissional de Luiz Renato poderíamos fazer – sem exageros – um livro, tamanhas aventuras de sucesso deste jornalista. Ele montou em um páreo de amadores, por exemplo, em 1956, numa carreira de 1.000 metros pilotando Green Eyes (chegou em antepenúltimo). Também foi apresentador de televisão, tendo até um programa chamado Tele-Turfe, que exibia os replays dos páreos na TV Paraná.

Enfim, uma história rica de um dos cronistas de turfe mais velhos em atividade no Brasil. Seu legado se confunde com o da crônica turfística paranaense. Além do pioneirismo, fica marcado por sempre fazer questão de relatar – com extrema exatidão – e reverenciar os profissionais de outrora. Uma grande pessoa, pai, avô, bisavô e um abnegado que há mais de 70 anos dedica sua vida às corridas de cavalo. Com certeza uma das grandes personalidades do turfe paranaense.

 

*Fotos: Arquivo pessoal Luiz Renato Ribas.