No próximo dia 7 de outubro a primeira treinadora de cavalos PSI do Brasil comemora vinte e seis anos de sua primeira vitória. Danielle Gusso já não é mais treinadora, mas desde sempre vem atuando em prol do turfe, se transformando e se reinventando sempre que as circunstâncias exigem.

Na entrevista abaixo ela se lembra da família, do difícil momento em que teve que parar de treinar, do trabalho como comissária de corridas, no Stud Book Brasileiro e, desde janeiro deste ano, como starter oficial do Jockey Club do Paraná. Confira abaixo:

JCPR – A sua história no turfe começa anos antes de você nascer. Por favor, conte-nos um pouco sobre a história da família com o turfe.

DG – Eu venho de uma família centenária e tradicional do turfe. Meu bisavô foi o Pedro Gusso, que virou nome de rua famosa nos bairros Novo Mundo e Capão Raso, e lá era o haras dele. O meu bisavô veio da Itália, veterinário, e fez um haras lá. Eles corriam cavalos no Prado Velho. Todos os filhos do meu bisavô foram jóqueis e treinadores, um deles meu avô, Elídio Pierre Gusso. Eu acho que ele ganhou a primeira corrida no Prado Velho e acho que a primeira no Tarumã. E é assim que começa minha história.

JCPR – Você sempre quis fazer parte do meio do turfe, ou alguém da família te puxou?

DG – Eu sempre quis ser treinadora, sempre quis. Sempre andei com meu avô, com meus pais, com meus tios, sempre fui do meio. Mas assim, quando eu decidi ser treinadora eu tive que ser emancipada pelos meus pais com 16 anos e requeri minha matrícula em 1994. Minha primeira vitória foi no dia 07 de outubro de 1994, com o cavalo Cocky’Leekie, montado pelo Z. M. Rosa. Era de criação do Haras Ponte Nova e propriedade do Marco Aurélio Rosito.

JCPR – Poucos têm a oportunidade de ter a qualidade e quantidade de exemplos a seguir na profissão, como você teve dentro de casa. Como isso te ajudou no início?

DG – Quando eu decidi ser treinadora, o meu avô me colocou num quartinho de freio e me ensinou tudo. Ensinou-me desde a limpar um cavalo, ser cavalariça, até montar um cabresto. Porque ele dizia que para eu saber mandar eu tinha que saber fazer. Meu pai foi o que mais me valorizava, mas ao mesmo tempo o que mais não queria que eu entrasse por saber dos preconceitos que iria ter na profissão. Não somente pelo fato de ser mulher, mas pelo fato de eu ser a princesinha dos Gusso. A pequenininha dos Gusso…

JCPR – E você começou já muito nova assumindo uma grande responsabilidade, não é mesmo?

DG – Então, na realidade uma criança… Com 16 anos eu assumi 44 cavalos do Haras Ponte Nova. Teve muito preconceito, eu tive que lutar muito, que ser muito guerreira… e graças a Deus deu certo. Na realidade os meus exemplos eu tive em casa. Eu sempre quis ser tão boa treinadora quanto todos da minha casa, meu avô, meus tios e meu pai.

JCPR – Vamos fazer um balanço rápido da sua carreira como treinadora. Por quantos anos você exerceu a profissão de treinadora, no caso, a primeira mulher do Brasil a treinar cavalos?

DG – Eu treinei os cavalos no Jockey Club durante doze anos.

JCPR – Nesse período de 12 anos, quais foram as maiores alegrias e as maiores dificuldades que você teve?

DG – A alegria era cada vez que eu ganhava uma corrida, independente do páreo que fosse. Foi muito triste quando eu tive que tirar meus quadros de vitória da parede, guardá-los e fechar a cocheira. Foi uma tristeza muito grande que me dói até hoje.

JCPR – Como se deu isso? O que te levou a ter que fechar a cocheira?

DG – Meus proprietários foram morrendo, outros foram parando de ter cavalo de corrida e não teve renovação… tive que parar.

JCPR – E aí temos a sua primeira reinvenção, não é?

DG – Isso mesmo. Quando parei com as cocheiras fui trabalhar na empresa do meu irmão, onde fiquei por sete anos.

JCPR – Era em alguma função ligada a corridas de cavalos? Como ficou sua relação com o turfe nessa época?

DG – Entrei como vendas, e terminei como gerente de duas das três empresas dele. Nessa época eu fui convidada para ser comissária de corridas. Eu ia aos boxes, ajudava nos boxes… Eu sempre gostei de estar dentro da raia, de estar na lida diária. Eu sempre gostei de estar em contato com os cavalos e com os profissionais. Fui para ser comissária, mas aí pedi para ir ajudar na partida e acabei sendo uma comissária mais dentro da raia.

JCPR – Você assumiu como comissária logo após deixar de treinar?

DG – Não, não. Eu acho que uns dois, três anos depois, pois sou sócia do Jockey Club. Sempre fui sócia, ganhei como presente de 15 anos o título do meu padrinho, que é dono do Haras Ipiranga. Ser sócia do Jockey era caríssimo e foi um super presente.

JCPR – Nesse período como comissária você já vislumbrava a possibilidade, ou ao menos já sentia vontade de ser starter?

DG – Eu pensava… Pensava, sim. Mas era um sonho distante… Mas eu pensava em ser starter, sim. Tinha isso na minha cabeça

JCPR – Como era o trabalho de comissária de pista, auxiliando na partida?

DG – Eu ia lá para tentar ajudar os treinadores, para ajudar a ter uma logística mais dinâmica com o starter, e também um pouco para colocar ali também. Ver o que pessoal estava precisando para chegar à Comissão de uma maneira mais assertiva, e diminuir o falatório também, porque querendo ou não, um comissário na partida, naquela época, ajudava  muito o starter.

JCPR – E terminado este período como comissária, qual foi o seu desafio seguinte?

DG – Depois fiquei afastada e fui para o Quarto de Milha, ser gerente de um haras. Na volta, recebi um convite da Mayra Frederico, do Stud Book, onde em março completarei dois anos. E agora em janeiro, a diretoria do JCPR, em nome do Roberto Belina, me convidou para ser a starter. Dia 6 de fevereiro foi minha estreia. Mas ainda hoje faço consultoria nos QM na Estância Paulli.

JCPR – No que consiste essa consultoria?

DG – Têm cavalos que são de baliza e tambor, então eles precisam de rapidez. Então eles me chamaram e eu fui fazer um trabalho de rapidez, como se fosse um treinamento de reta, para a égua ter agilidade. Vejo medicamentos, vejo no geral o que precisa… esse tipo de consultoria.

JCPR – Como starter, você já fez algumas visitas a outros hipódromos. Quais foram e o que você acha que conseguiu aprender vendo como funciona a partida em outros lugares?

DG – Eu visitei Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Fechei o ciclo dos hipódromos oficiais. Tudo que eu vi vai agregar para o que eu vou fazer aqui. Na realidade, tenho que filtrar tudo que eu vi e adaptar à nossa realidade aqui de Curitiba, no nosso hipódromo. Mas meu foco é organização e respeito. Eles têm que me respeitar e eu tenho que respeitar eles, sabendo que o trabalho de starter é um trabalho muito sério e eu tenho que estar com cabeça muito boa para não colocar muita coisa a perder.

JCPR – Bem, de treinadora a starter, você se transformou e se reinventou várias vezes. Se a Danielle de hoje pudesse voltar no tempo, o que ela falaria para aquela Danielle de 16 anos de idade, que estava começando na carreira?

DG – Eu falaria para aquela Danielle que ela não fez nada de errado, ela foi intensa em todas as profissões, em todos os cargos que ela assumiu. Ela tem que se reinventar mesmo, e tem que fazer sempre o melhor, buscando cada dia mais se aprimorar. Lembrando sempre do que o vô dela, que tinha 99 anos, e falava que todo dia estava aprendendo. Então que ela nunca pare de querer aprender e que ela carregue vivos dentro dela o pai e o avô, e todos os ensinamentos que eles deram para ela porque, com certeza, vai dar certo. Acidentes ou alguma coisa errada sempre vai dar porque nós trabalhamos com vida e com animais, não depende só de mim. Mas mesmo quando errar, as pessoas podem ter a certeza que vai ser na tentativa de acertar.